Hummanno

Um poeta autodidata

sábado, 3 de abril de 2010

Presente do Passado

Hummanno

Será que é o fim?
Será que é o começo?
Será que é pra mim?
Será que eu mereço? (1)

Será que eu nasci?
Ou estou nascendo?
Quem sabe eu vivi?
Ou só estou morrendo? (2)

Será que foi por muito?
Será que foi por pouco?
Será qu’inda estou lúcido?
Ou só, um “poko loko”? (3)

O que será que eu fiz?
O que será que eu sou?
De que lugar eu vim?
Pra que lugar eu vou? (4)

Será que foi passado?
Será que foi presente?
Será que estive estado?
Ou só estive ausente? (5)

Será que foi coragem?
Será que foi o medo?
Será que foi mensagem?
Ou só, mais um segredo? (6)

Será que foi ganância?
Será que foi rancor?
Será que foi vingança?
Ou foi por amor? (7)

Será que é findo?
Ou só um recomeço?
Eu, não sei se xingo?
Ou só, se agradeço? (8)


Será que fui bom pai?
Será que fui bom filho?
Será que fui de paz?
Ou, dedo no gatilho? (1)

Será que foi bandido?
Será que foi policia?
Será que um amigo?
Ou só, a injustiça? (2)

Será que foi um “drão”?
Será que mercenário?
Será que foi um “Jão”?
Ou só, mais um otário? (3)

Será que foi marido?
Será que foi amante?
Será que o inimigo?
Ou só, um assaltante? (4)

Será que foram vários?
Será que foram poucos?
Um único disparo?
Ou, vários pipocos? (5)

Será o judiciário?
Será execução?
Será um solitário?
Em meio à multidão? (6)

Será que foi o rei?
Será que foi o réu?
Será que foi a lei?
Será que foi ao léu? (7)

Será que era outubro?
Ou... Era novembro?
Quem sabe “tava” escuro?
Eu já nem me lembro? (8)


Será que Deus existi?
Será que existi juiz?
Será que fui mui triste?
Será que fui feliz? (1)

Será que eu ganhei?
Será que eu perdi?
Será que eu juntei?
Será... Que reparti? (2)

Será que eu lutei?
Será que eu me rendi?
Será que eu me achei?
Ou será que me perdi? (3)

O que será que eu fiz?
O que será que eu sou?
De que lugar eu vim?
Pra que lugar eu vou? (4)

Será que foi o tempo?
Será que foi à hora?
Será que eu lamento?
Será... Que ela chora? (5)

Será que fui à diante?
Será que regredi?
Será que estou distante?
Ou ainda estou aqui? (6)

Será que é uma ida?
Talvez seja uma volta?
Será o fim da vida?
Ou, uma nova rota? (7)

O que será que eu pensei,
Antes do momento?
Será que eu voei?
Ou foi... Somente o vento? (8)

Três Corações, Uma Só Batida - parte 1

Hummanno

Hummano foi criado
Lá nas ruas do “Jão”
Um bairro largado
Sem estruturação. (1)

Bairro de operários
Meros funcionários
Vários desalmados
Desesperançados. (2)

Vão para as fábricas
Vendem suas vidas
Soam muitas lágrimas
Em troca de comida. (3)

As vias do bairro
São veias de terra
Cheias de buraco
Faixas de cratera. (4)

O ar, a atmosfera.
Um tumultuo de vozes
Crianças na miséria
Adultos na neurose. (5)

Vida em transição
Rua em movimento
Esquina em tensão
Corpo em desalento. (6)

A fé encruzilhada
Na beira da quadra
A oferenda prostrada
É horrenda e macabra. (7)

A fé de Benfica
Com crenças africanas
Fica bem África
A reza lusitana. (8)


No bairro do bebe
Filho de Iansã
O amigo do Erê
Brinca de manhã.
(1, 2, 3, 4)


Barraco de barro
E bloco de cimento
Sem toque de reboque
Não tem revestimento. (1)

Em obra de barraco
Tudo é aproveitável
A sobra do escasso
Nunca é descartável. (2)

Tábuas pregadas
Ao invés da porta
Janela sem vidro
As paredes tortas. (3)

Água encanada
É escassez na Cohab
Reserve alguns litros
Antes que acabe. (4)

Sem iluminação
Sem eletricidade
A luz de um lampião
Os olhos da claridade. (5)

Um piso batido
Forrado de concreto
Um rosto formado
Na infiltração do teto. (6)

Gotas de prata
Na poeira dourada
Na bacia de lata
Vão os pingos d’agua. (7)

Varias moradias
Em situação precária
O habitat da maioria
Que circula essa área. (8)


No bairro do bebe
Filho de Iansã
O amigo do Erê
Brinca de manhã.
(1, 2, 3, 4)

Três Corações, Uma Só Batida - parte 2

Hummanno

Moleque magricelo
Nariz todo ranhento
A cor do branquelo
De rosto sardento. (1)

Cria da senhora
Maria faxineira
Casada, guerreira
Mora na ladeira. (2)

É carente a criatura
De um cadinho de leitura
A ignorância é a doença
E a cultura é a cura. (3)

Filho do seu “Tião”
Servente de “pedrero”
“Torcedo” do mengão
E do “Véio Barrero”. (4)

Navega na água
Embriagada do bar
E afoga suas mágoas
Na ressaca do lar. (5)

Ele chega bem louco
Quebrando o barraco
Distribuindo soco
Exercitando seu braço. (6)

Casa destruída
Espelho quebrado
Os cacos da vida
Não serão rejuntados (7)

Na família o trauma
Do alcoolismo paterno
A cicatriz vai na alma
E o coração pro inferno. (8)


No bairro do bebe
Filho de Iansã
O amigo do Erê
Brinca de manhã.
(1, 2, 3, 4)


Três Corações
Uma só batida
São as vibrações
Da sagrada família. (1)

Brincando sozinho
Logo de manhã
Rodando trolinho
Carrinho rolimã. (2)

Ou no campo de poeira
Do bairro São João
A trave é de madeira
E a bola é capotão. (3)

Corre um menino
Descalço pé no chão
De corpo franzino
Camisa e calção. (4)

Não sabe se joga
Ou faz acrobacia
Conduzindo a bola
Com destreza e magia. (5)

Driblou mais um
Driblou mais outro
Zagueiro nenhum
Segura o garoto. (6)

Fintando a fome
Passando pelo crime
“Ú mano” é seu nome
A rua é o seu time. (7)

Uma bola que rola
Da linha ao carretel
Uma pipa de desbica
Cortando o céu. (8)

Khanto Fhalado

Hummano

Aí, meu coração é de todos vocês oh!
Que moram no Khanto Fhalado.

Bom dia,
Mãe Periferia, bom dia!
A alvorada anuncia
A chegada do dia. (1)

Levanta Maria
Acorda José
Apronta a Marmita
E côa o café. (2)

Caminha pro banheiro
Se olha no espelho
Molha o rosto
Penteia o cabelo. (3)

Beija a filha
Beija o filho
Deixa a família
Se encaixa no trilho. (4)

Passos para o ponto
Descendo a ladeira
Oito contos no bolso
Dentro da carteira. (5)

Então vai na fé
O busão ta lotado
São 30 sentados
E 90 de pé. (6)

Dentro da mochila
Um rádio de pilha
Um livro, a bíblia.
A foto da família. (7)

Desnutrição
Na marmita do Povo
Arroz, feijão
Às vezes tem ovo. (8)

Sem legume, sem verdura.
Sem carne, sem osso.
E a mistura moço
Só dura até no almoço. (9)

Sopra a brisa
A lida é sofrida
Mas a dor se ameniza
No rádio que liga. (10)

O relento lento
Lento partiu o sol já saiu.
Mas o vento
Deixa o tempo mais frio. (11)

Balança a pipa
Enroscada no fio
Rabiola enrolada
No poste de energia, é! (12)

A marca registrada
Da mãe periferia
E na beira do barranco
O barraco alvenaria. (13)

Compõe o cenário
Da minha poesia
Bom dia!
Mãe Periferia, bom dia! (14)

Bom dia Mãe!
Periferia...

A luz que irradia
É Jesus que anuncia
A chegada do dia
Bom dia! (1, 2)

Estrela dourada
Na moldura azulada
Abre suas asas
E voa, voa.
Por cima das “casa”
E pousa deitada
Na terra empoeirada
Da mulher mais amada.

Bom dia,
Mãe Periferia, bom dia!
A senhora desperta
A sua alma deserta. (1)

Aos poucos se liberta
E é suprida
Pelo sopro da batida
De outras vidas. (2)

Tun, tun. Tun, tun
Tun, tun.
Vaza o garoto
De coração exposto. (3)

Sua vida é um lírio
No meio do esgoto
Sua alma é um delírio
Beleza sem rosto. (4)

Áurea de criança
Cara de anjinho
Camiseta branca
Calça azul marinho. (5)

O cabelo enrolado
É penteado de lado
A sua pele morena
É suave e serena. (6)

Caderno na mão
Chinelo de dedo
Olho inchado
Acordado logo cedo. (7)

O ensino é médio
A escola o prédio
A sala um tédio
E o livro remédio. (8)

Pois a...
Criança que não estuda
Crescerá cega
Surda e muda. (9)

A periferia
De um país feliz
É escrita com lápis
Caneta e giz. (10)

Mãe periferia
É agora uma senhora
De vestido estampado
Florido e desbotado. (11)

Sem lenço na cabeça
Tem cabelo esbranquiçado
A pele é preta
E o rosto enrugado. (12)

Estilo africana
A afro-brasileira
De sandália havaianas
Suja de poeira. (13)

Tu és minha irmã
Minha vó, minha tia.
Bom dia!
Mãe Periferia, bom dia! (14)

Bom dia Mãe!
Periferia...

A luz que irradia
É Jesus que anuncia
A chegada do dia
Bom dia! (1, 2)

Estrela dourada
Na moldura azulada
Abre suas asas
E voa, voa.
Por cima das “casa”
E pousa deitada
Na terra empoeirada
Da mulher mais amada.

Bom dia!
Mãe Periferia, bom dia!
Acordo de manhã
Ouvindo Djavan. (1)

Alegre menina
Traz na lembrança
Uma dor que desatina
Num amor de criança. (2)

A tragédia marcaria
A sua infância
Correria na esquina
Gritaria, lambança. (3)

A sirene anuncia
A chegada da ambulância
E na maca é levada
A garota de trança. (4)

A porta si tranca
Lá dentro ela some
Garota de trança
Não lembro seu nome. (5)

Michele Tamara
Ou Kelly Mayara
9 anos 5 manos
Dona de casa. (6)

Anjo sem asa
Não brinca de boneca
Olhar sincero
Sorriso de moleca. (7)

Ela faz comida
E lava louça
Limpa a casa
E ainda lava roupa. (8)

Panela no fogo
Fritava ovo
Esbarrou distraída
Ganhou uma ferida. (9)

Perna queimada
Gordura quente
Queimadura na pele
Mais um trauma na mente. (10)

O sol foi embora
A garoa piora
Xiii! Agora
Chove muito lá fora. (11)

E uma lágrima vai
Cortando a vidraça
É a chuva que vem
Da tristeza que passa. (12)

A chuva da serra
Tem gotas de maldade
Castiga a terra
A casa invade. (13)

Mas depois da tempestade
Vem a calmaria
Bom dia!
Mãe periferia, bom dia! (14)

Bom dia Mãe Periferia!

Landrão

Hummanno

Duas da madru
Duas da matina
Um landau azul
Corta a tal da neblina. (1)

A cortina
Fina ele fura
Na captura
Da pérola escura. (2)

A noite é uma dama
De ascendência africana
De turbante e de vestido
Elegante e florido. (3)

E ele vem na lenta
Nos 100 menos 60
Rezando nos 40
Queimando água benta. (4)

Abraão, Abraão
Ora o landrão
Na neblina pratiada
Que domina a madrugada. (5)

Abraão, Abraão
Ora o landrão
Na fumaça de prata
Que embaça a vidraça. (6)

Tem motorista
Na pista tem
É da night e metido
Tem o naipe de bandido. (7)

Bandido KD?
Se o vidro é fume
Ali dentro ninguém vê
“Os doido” no role. (8)

Uma fita adesiva
Enfeita o pára-brisa
Landau landrão
Magistral malandrão. (9)

É! Cheio de ginga
Estilo lá da gringa
Rebaixado no chão
Idolatrado pelos “drão”. (10)

Cheio de encantos
Dio santo
A S-10 da Preto e Branco
É veloz mas nem tanto. (11)

Os “banco” e o volante
Branco marfim
Seu motor é fascinante
Sua cor azul setim. (12)

Das duas em diante
O mais brillante azul
Para os amantes
Do diamante blue. (13)

A roda é regada
A prata e ouro
Os “banco” e a capota
É forrada de coro. (14)


O piloto Kamikaze
Da cadera ambulante
Comanda a aeronave
Com a mão no volante. (1)

Vai vagabundo
Vai de vagar no mundo
De óculos de sol
E gorro da Kangol. (2)

De calça big caqui
Perfume Kaiak
Seu alto falante
Fala alto nesse estante. (3)

Derrama na neblina
Só rima de rapina
Agora a mais de 100
Ouvindo Jorge Ben. (4)

Quem falou de mim
Na madrugada
Quem falou de mim
Não fala nada. (5)

E uma bela dona
No banco do carona
Uma musa, uma dama.
Uma deusa africana. (6)

Estátua de ébano
Tem cor de jóia cara
É africana a boca
É madona rara. (7)

Sem véu e sem grinalda
Ó filha de Zumbi
Mas com anel de esmeraldas
E colar de rubi. (8)

A princesa de Palmares
É linda e atraente
Com Pedras e colares
No landau reluzente. (9)

Brilha a lataria
Na trilha da Goodyear
De calotas raiadas
Pratas e douradas. (10)

O seu santo quarteto
De pneu branco e preto
Roda sua roda
Pela rua do gueto. (11)

No bairro proibido
Do povo oprimido
Corpos doloridos
Em barracos exprimidos. (12)

Ruas de terra
Quebrando a esquina
Subindo a serra
Ou descendo a colina. (13)

O landau impera
Na vila sombria
No vale da guerra
Onde a noite é fria. (14)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Velas, Favelas e Caravelas

Hummanno

Eu quero ela
La bela que passa
Na passarela
Paralela a praça. (1)

Modelo de salto
Alto esculpida
Desfila no palco
Asfalto avenida. (2)

Canta a buzina
A esquina assovia
A luz ilumina
Sua divina etnia. (3)

A pele da carne
Arde ao farol
Espalha seu charme
Na tarde de sol. (4)

Cabelo de trança
Balança no ar
A perna que dança
Se lança a andar. (5)

Porte Real
Ancestral africana
Preta cacau
De Bissal ou de gana? (6)

Talvez Angolana
Da rama a raiz
Uma mucama
De drama infeliz. (7)

Me cante um canto
Banto ou Nagô
Conte aos brancos
Do santo Xangô. (8)

Flor da senzala
Propala negrume
Rosa que fala
E exala perfume. (9)

Hálito assim,
Capim hortelã
Sorriso marfim
Jasmim da manhã. (10)

Flor que incendeia
Clareia olhares
Vem da aldeia
Que rodeia Palmares. (11)

Olhos amêndoa
Leoa altaneira
Talvez de Quiloa
A boa guerreira. (12)

Oceano de luz
Conduz ao poente
A Vera Cruz
Ao sul do Ocidente. (1)

Terra Brasilhas
Brilha um lampejo
Vista a milhas
E milhas do Tejo. (2)

Veio do Congo
Bando de escravos
Comporão quilombos
Mocambo de bravos. (3)

Veio aos milhões
Porções de africanos
Preso a grilhões
Porões desumanos. (4)

Deu a cultura
Mistura de jambo
Trouxe a cura
As agruras do banzo. (5)

Nos deu Pelé
Axé e o samba
O candomblé
E a fé na umbanda. (6)

Povo valente
De ente aguerrido
Passado latente
Presente esquecido. (7)

Salve as cores!
Salve os colares!
Rufem tambores
Viva Palmares! (8)

Eu quero aquela
Donzela que passa
Que pinta a favela
Aquarela da raça. (1)

Retoca a tela
Pincela a cidade
Na tarde amarela
Revela a beldade. (2)

Ginga Angola
Rebola o quadril
A Quilombola
Crioula Brasil. (3)

Seu corpo de mola
Viola a gravidade
O suor descola
Rola e invade. (4)

Seu seio escuro
Puro, erguido
Um peito maduro
Duro atrevido. (5)

A tez de avelã
Lã de algodão
O rosto maça
Romã de verão. (6)

Pescoço formoso
Cheiroso e roliço
Esbelto oleoso
Sedoso e bendito. (7)

Adorno de Keto
Amuleto da sorte
Guarda o gueto
E os pretos da morte. (8)

Lábios poema
Aroma manjar
Prazer alfazema
Átona no ar. (9)

Voa nas velas
Da bela africana
Das caravelas
As favelas urbanas. (10)

Voa vestido
Florido de renda
Sobre o alarido
De tribos e tendas. (11)

Voe turbante
Diante a Oxalá
E eleve distante
A amante yoruba. (12)